Blog Do Muca #03 - A Tv e a Conversa de Alto Nível

em setembro de 1986, era lançado no brasil, após 20 anos de ditadura militar, um novo programa na televisão. o programa “roda viva”, apresentado inicialmente por rodolpho gamberini, já nasceu como arauto da democracia e tinha uma dinâmica simples: alguns jornalistas se reuniam em torno de um convidado e o entrevistavam, numa verdadeira roda viva. a graça era, sem dúvida, ver o entrevistado girando para todos os lados na cadeira para responder cada pergunta. hoje, praticamente 40 anos depois, o programa segue no ar e segue tendo papel importante na manutenção da democracia no brasil. seu jeito simples e o modo conversativo o tornam um dos melhores programas de entrevista ainda no ar da nossa tevê.

meditando nesse tema esses dias e procurando algo pra assistir tanto na tv aberta, quanto na fechada, percebi que os programas de hoje parecem ter perdido a personalidade. usando o próprio roda viva de exemplo, não existem mais programas que são arauto de coisa alguma. tudo carece de vida, de ânima, como chamavam os gregos. é verdade, existem alguns programas mais espirituosos, como o “que história é essa, porchat?”, comandado pelo fábio porchat ou o novo programa da astrid fontenelle “admiráveis conselheiras”, que já recebeu figuras interessantíssimas como a monja coen, a atriz zezé motta, a cantora alcione, a escritora conceição evaristo, etc.

fiquei então me perguntando, tirando programas que já existem (e funcionam) há décadas na tv, para onde foram as novas ideias? será que nos resta apenas aguardar ansiosos um determinado dia da semana pra ver uma ou outra coisa boa na tv? para onde foi o espírito inventivo para arriscar como por exemplo na criação do “saia justa”, unindo uma cantora (rita lee), uma escritora (fernanda young), uma atriz (marisa orth) e uma jornalista (mônica waldvogel) e simplesmente dizendo: “vão! façam o que vocês sabem fazer!”? me parece que nos dias de hoje, todos os programas são engessados e tentam usar a mesma fórmula: fale de sexo de forma explícita, demonstre apreço pelas minorias, crie uma intriga (mas nada que possa comprometer o convidado) e espere seu programa ir para os principais portais de fofoca. essa é a fórmula do programa “lady night” apresentado por tatá werneck, onde mesmo havendo liberdade para falar as maiores abobrinhas, é parado, é previsível, é non-sense da pior forma possível.

não pense você, leitor, que isso é uma visão idealista do passado ou uma crítica ferrenha ao presente. muito pelo contrário! “irritando fernanda young” apresentado pela própria escritora, era extremamente cafona, mas tinha personalidade. creio que minha grande crítica é essa: os programas perderam a alma. pra onde foram boas ideias (e bons programas) como o “2 chopes com” apresentado pelo michel blanco; ou então o atraente “escândalo” onde ângela ro ro entrevistava e cantava com o convidado; para onde foram entrevistadores excelentes e saudosos como jô soares e marília gabriela? sem contar muitos outros programas dos anos 2000, cheios de garra, de vontade de entrevistar, de chegar na medula de cada convidado como “matador de passarinho” do rogério skylab”; “madame lee” comandado por rita lee e roberto de carvalho; “sem frescura” do gigante peréio; “eletrika” da modelo gianne albertoni; o “programa elke” da excêntrica e a frente do tempo elke maravilha e o divino “provocações” apresentado de forma realmente genial pelo antonio abujamra. certas entrevistas dadas aos programas supracitados são verdadeiras aulas de vida, de comportamento. quem não se admira ao ver o eduardo sterblitch chorando ao tentar responder a pergunta: “o que é a vida?” no programa do abujamra? ou ainda a fernanda torres ensinando a rita lee a fazer yoga no madame lee e depois cantando bob marley? ou ainda quando fernanda young não conseguiu ler a letra da música “what it feels like for a girl” da madonna por se emocionar demais? os programas não tem a cara, nem a sensibilidade de antigamente e ao mesmo tempo que há nisso certa melancolia, por saber que o tempo inventivo do começo dos anos 2000 já não existe mais, há felicidade em saber que estamos vivos nesses anos 20 (melhor do que a outra opção).

os programas de hoje estão sem personalidade alguma, é verdade. mas alguns fogem a regra. há sim, alguns poucos programas que ainda são interessantes e revelam um pouco da alma humana a cada episódio. é o caso do “transmissão” apresentado por linn da quebrada e jup do bairro; os decanos, roda viva, o som do vinil, sem censura e metrópolis que continuam, mesmo depois de décadas fazendo um trabalho digno de muito respeito; o “trilha de letras” apresentado atualmente por eliana alves cruz; “espelho” do lázaro ramos ou ainda o “dando a real” comandado por leandro demori. ainda haverão muitos programas bons na nossa tv (espero), mas enquanto esperamos melhores sortes de programas no futuro, vamos agradecer por ter a oportunidade de ver o que houve no passado e o pouco que há no presente. como disse o sábio mestre oogway no kung fu panda: “o ontem é história, o amanhã é um mistério, mas hoje é uma dádiva, por isso chama-se presente!” dias melhores virão, pode acreditar! a tv não tem nada a perder, se não seus grilhões.

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