Raffa Moreira e o anti-capitalismo
Quando o Raffa Moreira disse: "sai fora com essas marcas de playboy tipo a Palace" na letra de Bro, ninguém levou essa fala a sério, e criticaram de forma contundente o estilo irreverente do músico paulista que veio de Guarulhos e galgou o status de herói do trap. No entanto, essa linha carrega uma profundidade que transcende o deboche aparente. É um reflexo da vivência de um jovem periférico que cresceu em um Brasil onde o desejo por consumo é uma armadilha, um sonho fabricado pela publicidade, que seduz e fere na mesma medida.
Raffa, com sua trajetória marcada pela superação, não apenas critica as marcas de luxo como símbolo de status, mas revela uma dor latente de quem cresceu vendo esses símbolos inalcançáveis se tornarem objeto de desejo — não por escolha, mas por imposição. A Palace, ícone de um streetwear global associado ao luxo, se torna aqui uma metáfora para o sistema que exalta o consumo como medida de valor humano. No entanto, para quem vive na margem, esse consumo é um privilégio reservado a poucos, criando uma barreira psicológica que aliena e reforça a sensação de inadequação.
Essa crítica dialoga diretamente com a fala de Mano Brown em Jesus Chorou: “Seu carro e sua grana já não me seduz.” O verso reflete uma maturidade filosófica e existencial, onde a desconstrução do valor material é uma forma de resistência. Ambos os artistas, cada um à sua maneira, apontam para o mesmo problema: a frustração de crescer em uma sociedade que define o indivíduo por aquilo que ele possui, enquanto exclui aqueles que não têm acesso ao consumo.
No Brasil, a publicidade brinca com as emoções das classes mais baixas, vendendo sonhos de ascensão que são, para muitos, inalcançáveis. Desde cedo, crianças e adolescentes são bombardeados com imagens que vinculam felicidade e sucesso a roupas, carros e marcas. Essa lógica não apenas perpetua desigualdades, mas também destrói subjetividades, criando um ciclo de frustração e autoimagem fragilizada. Para jovens periféricos, vestir-se bem ou ostentar determinados bens não é apenas um capricho — é uma tentativa de conquistar respeito e pertencimento em uma sociedade que lhes nega dignidade básica.
Ao recusar essas marcas, Raffa Moreira faz mais do que uma provocação; ele desafia o próprio sistema que as criou. Ele reivindica um espaço de expressão genuína, onde estilo e autenticidade não dependem de validação por etiquetas. Da mesma forma, Mano Brown, ao declarar que o material já não o seduz, sugere um caminho de emancipação: a liberdade de não se dobrar ao desejo imposto. Contudo, essa emancipação não é simples. Rejeitar esses valores é, por vezes, um privilégio que só se alcança depois de muito sofrimento e reflexão.
A reflexão existencial aqui é profunda: como viver em um mundo que nos define pelo que temos, quando não temos quase nada? Como sobreviver a essa alienação sem se perder em uma busca incessante por algo que talvez nunca possamos alcançar? Para muitos, a resposta reside na resistência criativa — como a música de Raffa e Mano Brown, que transformam a dor e o desconforto em arte e voz. Eles nos lembram que, mesmo diante de um sistema que insiste em nos reduzir, ainda podemos encontrar significado naquilo que somos, e não no que possuímos.