Golias de Tom Gauld

Tom Gauld, em Golias, reimagina a famosa história bíblica de Davi e Golias com um olhar melancólico e profundamente humano. Longe do estereótipo de um gigante feroz e cruel, Golias é retratado como um homem simples, tranquilo e resignado, pego nas engrenagens de um sistema que não compreende. A HQ destaca, com sutileza, a ironia e o absurdo da guerra, mostrando como decisões arbitrárias e desumanas podem destruir vidas sem propósito.

Na obra, Golias é um escriba de porte avantajado, escolhido para ser o rosto do exército filisteu em um estratagema de intimidação. Sua estatura, que deveria ser uma vantagem, transforma-o em um peão sacrificado no teatro da guerra. Ele não é um guerreiro; não empunha armas com paixão, e sua voz resignada ao longo da narrativa revela um homem mais preocupado com a vida simples do que com o heroísmo ou a vitória.

O absurdo da guerra emerge na forma como as vidas dos soldados – e especialmente de Golias – são tratadas como descartáveis, meros instrumentos de um jogo político. A HQ subverte o épico e o glorioso associados às batalhas e oferece uma visão contemplativa, quase minimalista, que humaniza aqueles que a história frequentemente reduz a meros personagens de uma narrativa grandiosa. Davi, por sua vez, aparece brevemente, um lembrete de que mesmo os protagonistas históricos podem ser agentes de um sistema que perpetua o sofrimento.

Gauld combina sua narrativa enxuta com ilustrações minimalistas e um humor seco que amplificam o impacto emocional da história. Cada quadro parece ecoar o vazio de uma guerra sem sentido, e o silêncio presente em muitas páginas transmite mais do que palavras poderiam. A paisagem árida em torno de Golias reflete sua própria impotência diante de forças muito maiores que ele.

Golias é uma obra que desafia as narrativas de heroísmo e poder ao abordar a guerra pelo prisma do absurdo e da tragédia individual. Em tempos de conflito, quando vidas continuam sendo sacrificadas por motivos obscuros, a HQ de Tom Gauld permanece um lembrete poderoso do custo humano de decisões tomadas por aqueles que jamais enfrentarão o campo de batalha.

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