Potencial e desafios do cinema nordestino

O cinema nordestino, embora muitas vezes ofuscado pela produção cinematográfica do Sudeste,

tem conquistado seu espaço e provado sua relevância com histórias autênticas e impactantes. O

contraste entre as duas regiões é evidente nos números: entre 1995 e 2022, o Nordeste

conseguiu aprovar 67 produções das 192 apresentadas, enquanto o Sudeste teve 1167

aprovações de um total de 1680 projetos. Esse abismo também se reflete nos valores: a região

Sudeste captou aproximadamente 6,9 bilhões de reais e atraiu um público massivo de 304

milhões de espectadores. Já o Nordeste, com muito menos recursos, captou 525 milhões de

reais, atraindo um público de 3 milhões de pessoas (Fonte: Ancine).

Apesar dessas disparidades, o cinema nordestino tem mostrado uma capacidade impressionante

de atrair o público. Um exemplo é Baile Perfumado (1996), um dos marcos iniciais do

renascimento do cinema na região. Mesmo com uma captação modesta de 50 mil reais, o filme

alcançou uma bilheteria de 300 mil reais, destacando a força do cinema regional e sua

capacidade de tocar audiências. Outro exemplo é Tieta do Agreste (1996), dirigido por Cacá

Diegues, que foi filmado no Nordeste, captou 3 milhões de reais e faturou 2,5 milhões. A

produção atraiu 500 mil espectadores, uma marca significativa para a época, mas, apesar de ter

sido filmado na região, seu processo fiscal foi centralizado no Rio de Janeiro, um exemplo claro

das dificuldades enfrentadas pelo cinema nordestino em manter os benefícios econômicos no

local de origem.

Essas informações foram extraídas de uma planilha divulgada pela Ancine e pelo governo federal,

que traz uma visão clara sobre a disparidade nos recursos e na distribuição de oportunidades

para as produções cinematográficas entre as regiões.

Durante um período crítico entre 1996 e 2002, nenhum filme nordestino foi aprovado para

captação de recursos, o que destaca o impacto da falta de incentivos. Mesmo assim, o cinema

da região tem resistido e evoluído. A atual safra de produções nordestinas vem se destacando no

cenário nacional e internacional, trazendo obras aclamadas como Bacurau (2019), de Kleber

Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que recebeu prêmios e elogios ao redor do mundo. Bacurau

não só reafirma o potencial do cinema nordestino como também explora temáticas locais e

globais, com uma narrativa que mistura o regional e o universal de maneira brilhante.

Cineastas como Ramon Porto Mota, diretor de A Noite Amarela (2019), também enfrentam

desafios financeiros intensos. Segundo Ramon, apesar de contar com o Fundo Setorial do

Audiovisual (FSA) e um edital de núcleo criativo com o estado da Paraíba, o baixo investimento

do governo estadual foi um grande obstáculo: "O maior desafio foi o baixo investimento do

governo do estado da Paraíba que limitou o orçamento do filme." Ele ainda reforça que, apesar

de incentivos existirem, a situação financeira no cinema "nunca é suficiente, seja para um filme

de 500 mil ou para um de 10 milhões". Essa realidade força os cineastas da região a

reinventarem constantemente suas abordagens para produzir seus filmes.

Adriano Portela, cineasta e diretor de Recife Assombrado (2019), traz uma visão crítica sobre a

desigualdade de financiamento entre as regiões: “Eu não consigo compreender o motivo da

região Nordeste, que, independente de ter um cinema potente e premiado mundialmente, a

exemplo de Pernambuco e Ceará, ter um montante financeiro absurdamente inferior à região

Sudeste. Estamos no mesmo país, temos as mesmas capacidades." Essa fala reflete uma

insatisfação recorrente entre os cineastas nordestinos, que veem a disparidade de recursos como

um obstáculo significativo para o desenvolvimento do cinema regional.

Os exemplos do cinema contemporâneo nordestino mostram que, apesar da escassez de

recursos, a região tem uma verve criativa forte e uma capacidade de contar histórias únicas.

Filmes como O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, e Aquarius (2016), com Sônia

Braga, reforçam a importância de continuar investindo no cinema nordestino, que tem muito a

oferecer em termos de inovação e experimentação artística.

A falta de incentivo financeiro, ao invés de sufocar a produção, tem impulsionado o Nordeste a se

reinventar constantemente. Com menos recursos, cineastas nordestinos são forçados a buscar

soluções criativas, experimentando novas formas narrativas e estéticas que muitas vezes acabam

se tornando tendências no cinema nacional. Como disse o cineasta Ramon Porto Mota, “sem os

incentivos, A Noite Amarela não teria sido produzido”, reforçando o papel crucial dos poucos

mecanismos de apoio existentes.

Essa necessidade de inovação e experimentalismo fez do cinema nordestino uma força criativa

no Brasil. Enquanto outras regiões contam com orçamentos milionários, o Nordeste tem

produzido filmes com poucos recursos que alcançam grande relevância cultural e crítica. O

cinema da região, portanto, não apenas sobrevive à desigualdade de investimentos, mas floresce

em meio às adversidades, criando obras que desafiam as convenções e que encontram no seu

público uma resposta genuína e entusiasmada.

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